domingo, 12 de julho de 2009

A Culpa de Ser Culpado

UMA DAS CARACTERÍSTICAS que todos nós temos ao lidar com qualquer coisa é que essa coisa precisa ser visível, concreta, pra que a gente a reconheça como real.
Existem problemas, no entanto, que fogem de nossa visão, de nossa definição de concreto, e ainda assim são extremamente reais. A gente não reconhece esses problemas como um fato distinto, e somente sofre com eles, tomando o sofrimento como parte daquilo que somos e por isso se torna um problema que não pode ser descartado, pois não podemos nos livrar daquilo que faz parte de nós, a gente só pode descartar aquilo que não faz parte do que somos.
É inútil falar sobre o problema, pois está tão reconhecido pela pessoa como parte de si mesmo que, curiosamente, ele não consegue identificá-lo mesmo tendo o problema descrito explicitamente.
A razão disso é que tais problemas causam uma pressão de culpa muito grande no indivíduo e essa culpa foi empurrada, nessa ou em vidas passadas, pro fundo do armário, pros porões do inconsciente, e junto com ela vai o problema que continua infectando a vida no conforto de um discreto camarote fornecido por nós próprios.
Quando sofremos com esse tipo de problema, em geral só o percebemos como algo infligido por outra pessoa, ou por uma circunstância externa, e o problema perdura eternamente porque parece que nada podemos fazer já que o problema não está em nossas mãos, somente sofremos com ele, e assim acabamos nos resignando a sofrer tendo como única válvula de escape reclamar do outro ou da circunstância como um malvado, culpado de todo o mal.
A gente percebe bem todo esse processo num nível coletivo aqui no Brasil. Todo mundo reclama dos políticos, não há uma mesa de bar, um escritório, uma sala de estar, um corredor de uma faculdade, que não tenha alguém reclamando dos políticos. São o Mal que causa todo o mal, que não tem caráter, são corruptos, etc.
O que ninguém comenta, nem mesmo os especialistas políticos, é que num país de eleições diretas quando os políticos não vão bem a culpa é do eleitor. A culpa é nossa, pois eleição após eleição vota da mesma forma. Nas eleições de 2008 para a prefeitura do Rio de Janeiro, um candidato manteve a cidade limpa enquanto os outros fizeram a velha campanha tradicional emporcalhando toda a cidade. Segundo os especialistas das eleições o candidato com uma inédita campanha civilizada perdeu porque seus eleitores foram para a praia em vez de votar nas eleições.
Muitas vezes a gente culpa nosso pai ou nossa mãe, ou filho ou filha, ou o marido ou a esposa, ou alguma doença, ou um patrão ou um atividade econômica de que não gostamos, por nossas dificuldades ou sofrimentos. Muitas vezes o problema parece impossível de resolver simplesmente porque o problema não está lá onde achamos que está, o problema não está nos políticos mas no eleitor que vai à praia na hora errada.
Essa é a principal causa dos problemas insolúveis, personificá-lo em algo que não está sob nosso controle. Todo problema está sob nosso controle, alguns problemas podem levar muito tempo para serem resolvidos, uma pessoa que perdeu uma perna pode ter que esperar até a próxima vida para ter uma nova perna, mas mesmo essa pessoa terá que solucionar o problema que o levou ao acidente que o fez perder a perna, para não ter o risco de perder a perna novamente na próxima vida.
Ironicamente, para encontrarmos nossos problemas, precisamos personificá-los em algo, esse é o primeiro passo. A culpa está nos políticos! A partir daí, em vez de nos perdermos em reclamações sem fim, começamos a tarefa real de identificar o que estamos fazendo que nos leva a reclamar do problema em vez de investigar para encontrar a solução do problema.
O sentimento de culpa é uma ferramenta que todos possuímos que indica que algo está errado na percepção do problema e não que se deve ser punido por algo. Uma presa é abatida por um leão porque foi lenta ou mais fraca do que o leão, nesse momento o sentimento de culpa da presa não serve pra nada; um leão velho morre porque ficou velho e está seguindo o curso natural das coisas, reclamar da velhice ou da morte não vai adiantar de nada, entender o porque se tem que morrer é o que eliminará o sofrimento do leão.

Fonte: (Dudu Blogspot)

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